A resposta brasileira (por Marcos Magalhães)Blog do Noblat

A invasão da Ucrânia por tropas russas pegou o Brasil no contrapé. Dias antes, o presidente Jair Bolsonaro havia viajado a Moscou para prestar sua solidariedade ao presidente Vladimir Putin. De lá para cá, a avaliação do conflito foi contaminada pela guerra ideológica que tomou o país como refém há pelo menos quatro anos.

Não foi só entre esquerda e direita. Foi também entre correntes distintas de cada lado. Ao mesmo tempo, a posição oficial do governo brasileiro parece dividida entre as palavras mal escolhidas de Bolsonaro e os gestos cautelosos da diplomacia formal.

Ou seja, até agora, em terras brasileiras, a guerra na Ucrânia serviu apenas como combustível adicional a um conflito que só tende a se tornar mais belicoso na medida que se aproxima a data das eleições. Eleições, é bom lembrar, onde terá bastante peso político o preço dos derivados de petróleo – que rondou os US$ 140 no início desta semana.

Como o valor a ser pago nos postos de combustíveis pela gasolina e pelo diesel depende da cotação do petróleo, o governo já sucumbe à tentação populista de segurar os preços dos derivados para conter igualmente o desvio potencial de votos em 2 de outubro.

Observação

O valor do litro de gasolina vai mesmo ser usado na luta pelo voto. Por isso, soa até natural que os preços do petróleo no mercado internacional sejam acompanhados com lupa pelos responsáveis pelas campanhas políticas.

O risco é que se pare por aí. A guerra na Ucrânia é mais um ingrediente que torna cada vez mais incerto o ambiente político-econômico mundial. Acrescentou pontos de interrogação a um planeta já às voltas com os desafios da pandemia e do aquecimento global.

Em algum momento precisaremos trocar a lupa pelos binóculos, para enxergar com mais clareza o que vem pela frente e poder responder à altura – e não apenas reagir – a acontecimentos potencialmente cada vez mais perigosos.

Para garantir um rumo claro a essa nossa caravela que ainda parece errante em meio ao oceano, será preciso prestar atenção ao que dizem os navegadores do alto de seus postos de observação. E a partir disso, contra todos os aparentes instintos nacionais, dedicar-se a traçar uma estratégia.

É o que já vêm fazendo países na América do Norte e na Europa. Esse mapeamento de cenários entrou na agenda política a partir da questão climática, ganhou importância quando mesmo países mais ricos se viram indefesos diante de uma pandemia e conquistou lugar de destaque a partir da constatação dos efeitos de uma guerra real sobre o mercado de energia.

São todas questões globais. Ao se referir a duas delas nas redes sociais, o físico brasileiro Marcelo Gleiser delineou uma interconexão que não parece clara à primeira vista.

“Tomadas separadamente, as tragédias da Ucrânia e do aquecimento global parecem ter pouco em comum”, escreveu Gleiser. “Mas de certa maneira as duas refletem falhas morais, baseadas em antigas visões tribalísticas sobre quem nós somos”.

Mas o mundo pode mudar, como argumenta em artigo para a revista The Economist o historiador israelense Yuval Noah Harari. Não deve mais prevalecer, a seu ver, a tese de que o mundo é uma selva e de que as guerras são inevitáveis. As guerras de agressão, argumenta, deixaram de ser aceitáveis.

“Um retorno para a selva prejudicaria a cooperação global em problemas como a prevenção de catastróficas mudanças climáticas ou a regulação de tecnologias disruptivas como inteligência artificial e engenharia genética”, provoca Harari. “Não é fácil trabalhar com países que se preparam para eliminar você”.

Estratégias

A partir desses argumentos pode-se deduzir inicialmente a necessidade de deixar nítido que a guerra de agressão não será mais aceita como o foi no passado. E que, paralelamente, deve-se preparar o terreno para cooperação global no combate a desafios igualmente globais.

Há, ainda, um terceiro movimento em gestação. Um movimento que não renega a cooperação em temas como pandemias e mudança climática. Mas que, de certa maneira, busca reforçar as defesas do Estado nacional diante de novos desafios provenientes de questões globais.

A pandemia revelou, por exemplo, a grande dependência da indústria ocidental de microchips fabricados em Taiwan. Aliado ao desafio do clima, o aumento dos preços do petróleo agravou a necessidade de uma nova política energética nos países desenvolvidos. E o Brasil, com a guerra na Ucrânia, percebeu como os fertilizantes importados são seu calcanhar-de-aquiles.

Como lidar com esses problemas? Os Estados Unidos buscam incentivar a produção local de microchips. O presidente da França, Emmanuel Macron, tem como principal plataforma para sua reeleição a reindustrialização de seu país – inclusive da base eletrônica.

Está no momento de o Brasil começar a traçar a sua própria estratégia para o período que se seguirá à pandemia e à guerra na Ucrânia. E para o período em que todo o planeta precisará conviver com os efeitos – mais ou menos severos – das mudanças climáticas.

Os estrategistas das campanhas dos principais candidatos à Presidência da República precisarão sair do cercadinho onde se discutem apenas curativos temporários para problemas como o aumento dos preços dos combustíveis.

É preciso definir, por exemplo, que modelo devemos adotar para a produção e o uso da energia. Se nos países onde o poder de compra é bem maior, por exemplo, se discute a transição para automóveis elétricos, por que não se discutir aqui a adoção de ônibus elétricos? Ou a adoção nos automóveis brasileiros de células de combustível movidas por etanol?

Da mesma forma, a pandemia serviu para indicar como o país deve fortalecer sua própria indústria farmacêutica, estatal e privada. Assim como a necessidade de reduzir o desmatamento da Amazônia, contribuição para o combate à mudança climática, pode igualmente servir de estímulo à produção de farmacêuticos inovadores a partir da flora local.

A própria dependência de fertilizantes importados, apontada por Bolsonaro como motivo de aproximação com a Rússia, pode ser combatida com ferramentas criativas, além do estímulo em andamento à produção local.

Como demonstra reportagem da revista Reset, “avanços que vão do hidrogênio verde aos bioinsumos, todos em desenvolvimento no Brasil, têm o potencial de não apenas proteger os produtores nacionais de choques externos, como também de descarbonizar o campo e tornar nossos grãos e proteínas mais atraentes para o resto do mundo”.

O Brasil tem espaço de manobra. Dispõe de recursos naturais e de cientistas qualificados. E pode traçar a sua própria resposta, tropicalizada e criativa, a desafios cada vez mais exigentes.

 

Marcos Magalhães escreve no Capital Político. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra). Apresentou na TV Senado.