Elizabeth Teixeira: primeira mulher a liderar uma Liga Camponesa é fonte de inspiração na luta agráriaG1 Paraíba


Aos 97 anos, paraibana assumiu a luta em defesa dos trabalhadores rurais após a morte do marido, João Pedro, que teve a história contada no documentário “Cabra marcado para morrer”. Elizabeth Teixeira: 1ª líder da Ligas Camponesas se orgulha de nunca ter desistido da luta
“Elizabeth teve tanta vontade de estudar, até chorou quando a tiramos da escola, mas nada pude fazer por ela, porque palavra de mulher não vale”. O lamento foi entoado pela mãe de Elizabeth Teixeira em seu leito de morte. A menina, que da escola foi apartada, se tornaria a primeira mulher a liderar uma Liga Camponesa e, aos 97 anos, ainda é fonte de inspiração.
(Esta reportagem faz parte de uma série especial do g1 para o Dia das Mulheres, celebrado nesta terça-feira, 8 de março, sobre Mulheres Pioneiras. Veja a série completa aqui)
Criadas na década de 50, as ligas foram um movimento de trabalhadores rurais que teve início em Pernambuco e se estendeu a outras regiões do país.
Dona de décadas de vida que se misturam com a história da luta do campo no Brasil, Elizabeth trilhou um caminho que a fez mais que esposa de alguém: a fez dona de um legado capaz de atravessar fronteiras e manter outros braços femininos nas porteiras do enfrentamento por direito à terra.
Elizabeth perdeu o marido e dois filhos para as disputas de terra, mas nunca desistiu da luta pela reforma agrária.
Arquivo pessoal/MST
Registros de diversos movimentos sociais mostram uma mulher idosa que se pôs nas ruas enquanto podia, com um envelhecer ativo, apesar das tragédias do passado. Mas a pandemia acelerou o envelhecimento de Elizabeth e, em pouco mais de um ano, as memórias enfraqueceram, deixando-a, ainda em vida, sem lembranças do seu passado de dor e resistência.
“Muitas vezes, ela não se lembra dos filhos, não é nenhuma doença, é o avançar da idade”, conta Maria José Teixeira, filha de Elizabeth.
“Ela envelheceu muito nos últimos anos, perdeu todas as memórias, tem limitações físicas. Ela era muito ativa, a pandemia interferiu”, desabafa a neta, Wyliana Texeira. Nas últimas semanas, Elizabeth foi acometida pela Covid-19, mas as três doses da imunização a protegeram de um risco de morte.
Aos 97 anos, Elizabeth Teixeira tem memória preservada pela família e pelos movimentos sociais.
Reprodução/Documentário Ligas Camponesas
Se a memória falha, a história conta. E não são poucos os registros capazes de preencher diversas lacunas da jornada da mulher “marcada para viver”.
Da menina que queria estudar ao casamento proibido
Elizabeth Altino Teixeira nasceu no dia 13 de fevereiro de 1925 na fazenda Anta do Sono, no município de Sapé, na região da zona da mata da Paraíba. Filha mais velha de nove filhos do casal Altina da Costa e Manoel Justino, donos de terra e comerciantes da área rural. A menina viveu na propriedade até os 15 anos.
Os estudos foram poucos – ela chegou até a etapa que era chamada, na época, de segundo ano primário. A mãe defendia seu gosto pelos livros, mas o pai a queria distante das escolas e de tudo que pertencesse “ao mundo dos homens”.
Antes de morrer, sua mãe lamentou, inclusive, tal intransigência. Contou que Elizabeth, ainda criança, questionava as condições vulneráveis de trabalhadores da propriedade. Tudo isso em vão – pelo menos enquanto estava sob o teto de seu pai.
Aos 15 anos, em um dos rotineiros momentos em que ajudava o pai no comércio, conheceu João Pedro Teixeira. O homem, que na época já tinha 22 anos de idade, nasceu em Pilõezinhos, na Paraíba, mas, na passagem por Sapé, voltava de trabalhos realizados em Pernambuco.
Os primeiros contatos entre os dois foram secretos, pois o pai da moça jamais permitiria que ela se relacionasse com um homem pobre, lavrador e negro – reflexo de um Brasil de preconceitos profundos.
Juventude marcada por um casamento que mudou sua vida.
Arquivo pessoal
Foram dois anos de um amor nutrido em silêncio. Em entrevista ao g1 em 2018, Elizabeth o descreveu da seguinte forma: “Papai não aceitou o casamento e eu me casei com João Pedro, mas ele sempre foi muito bom pra mim.”
Para conseguir manter o relacionamento, Elizabeth acabou fugindo com João Pedro. Eles se casaram em 26 de julho de 1942 em Cruz do Espírito Santo, na Paraíba. Foram morar em Jaboatão, em Pernambuco, onde viveram de 1942 a 1944.
Os anos seguintes foram marcados pelo envolvimento de João Pedro com a causa campesina. Ele chegou a deixar família em Sapé para que pudesse se dedicar à luta do campo e foi para Jaboatão.
O casal vinha de mundos distintos: João Pedro era filho de lavrador, e carregava o trauma do desaparecimento do pai depois de um conflito com um latifundiário. O desejo dele de um Brasil gentil com o trabalhador do campo corria no sangue.
As Ligas Camponesas lutavam por direito à terra e por uma vida digna.
Arquivo/Memorial das Ligas Camponesas
“A relação com João Pedro foi um divisor de águas na vida dela. Pela ruptura com a sua família, especialmente o pai; pela inserção social ampla, para além da sua cidade de origem e no contexto da época, de lutas sociais no país”, conta Rosa Maria Godoy, uma das escritoras do livro “Eu marcharei a sua luta: a vida de Elizabeth Teixeira”.
Elizabeth estava do lado oposto ao do marido, filha de dono de terras, a luta campesina não teria como ser um caminho natural, a não ser pela decisão própria de abrir mão dos privilégios. Foi o que fez.
As diferenças do casal são lembradas por Dilei Schiochet. Integrante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) há mais de 30 anos, Dilei conta que Elizabeth nunca precisou estar na linha de frente:
“É uma mulher que veio de uma classe mais alta. Ela não precisava passar por isso, [mas] ela fez uma opção de vida. João Pedro era camponês, Elizabeth fugiu da casa dos pais, eles eram donos de engenho. Isso é fantástico. Foi uma opção de estar com as camponesas. A grandiosidade dela é imensurável pela opção de vida que fez”, explana.
Em Pernambuco, João Pedro entrou para o Sindicato dos Operários e se destacou na liderança. Foi quando começou a ser perseguido e não conseguiu mais empregos. Em 1954, quando já tinha 6 dos 11 filhos que colocaram no mundo, o casal recebeu a proposta de ir morar em uma das propriedades do pai de Elizabeth, em Sapé, enquanto João Pedro trabalharia lá.
Nesse retorno, o casal esteve lado a lado com os trabalhadores do campo do modo mais imersivo até então.
Segundo Iranice Muniz, pesquisadora da questão agrária e professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), desde o século 19 os camponeses lutam pelo direito à terra. “No Brasil, a concentração de terra existe desde 1.500, e a estrutura agrária reflete nos conflitos entre latifundiários e camponeses”, explica.
Iranice conta que, quando o casal voltou à Paraíba, as articulações de João Pedro se alargaram. Ele se incomodava com as péssimas condições de vida dos trabalhadores, que prestavam serviços sem receber, eram torturados pelos donos de terras e expulsos da propriedade sem direitos.
Casa onde Elizabeth e João Pedro Teixeira viveram hoje abriga um memorial.
Memorial das Ligas Camponesas
Foi da indignação diante desse cenário que João Pedro Teixeira fundou as Ligas Camponesas de Sapé, com ideias sendo difundidas por toda a Paraíba e, ao longo dos anos, para vários estados do Nordeste.
“As Ligas Camponesas são exemplo da resistência diante das desigualdades agrárias”, define a pesquisadora Iranice.
Em três anos de Liga, já havia mais de 15 mil filiados. Elizabeth temia pela vida do marido e tentava convencê-lo a sair da Paraíba. Quando a luta pelo campo se consolidou, muitos especialistas atestam que, à época, uma das principais reivindicações era por condições dignas de sepultamento para os camponeses.
A morte vinha de todos os lados. Dos conflitos armados, de doenças relacionadas à insalubridade e, na maioria das vezes, da fome.
Risonilde Pereira viveu a adolescência na Sapé das ligas. Filha de uma enfermeira, ela conta que tinha uma curiosidade imensa em relação aos caminhões de corpos empilhados dos homens da lavoura que chegavam no hospital público da cidade, onde sua mãe trabalhava.
“Eram muitos mortos, aos montes, e eu sempre quis saber de onde eles vinham. Eu perguntava quase todo dia à ‘mainha’ como ela conseguia lidar com essas mortes todas. Lembro que ela baixava a cabeça e dizia: ‘A gente se acostuma, minha filha”, relata Risonilde.
Apesar do cenário devastador, João Pedro, porém, nunca aceitou fugir dos riscos e abandonar os companheiros de luta. As ameaças à vida dele eram muitas. Foi quando o pai de Elizabeth decidiu vender o sítio onde eles moravam com os filhos. A venda, no entanto, marcaria, para sempre, a vida de Elizabeth, de seus filhos e do movimento campesino da região.
Sem João Pedro, Elizabeth virou esposa da coragem
Era fim de tarde do dia 2 de abril de 1962 quando João Pedro voltava de uma audiência em João Pessoa, onde fora tratar da ordem de despejo para que deixasse a propriedade onde vivia com a família.
Ao descer do ônibus, foi surpreendido: uma emboscada levava silêncio ao homem que tinha passado seus últimos anos esbravejando que queria liberdade para os seus. Homens vestidos de vaqueiro puseram fim à vida do marido de Elizabeth.
A investigação, e informações anexadas na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, identificou os três donos de terra mandantes do crime: Aguinaldo Veloso Borges, Pedro Ramos Coutinho e Antônio José Tavares, esse último negociava a compra da casa com João Pedro Teixeira.
As Ligas Camponesas de Sapé ficaram, naquela tarde de 1962, sem sua principal liderança. No velório do marido, Elizabeth Teixeira proferiu uma frase que entraria para história da luta por reforma agrária no Brasil:
“Você sempre me perguntava se eu continuaria sua luta caso algo acontecesse. Eu ficava calada, sem saber o que dizer. Hoje, eu digo que continuarei sua luta João Pedro, até o fim.”
Com a morte do marido, Elizabeth ficou sozinha com seus 11 filhos.
Arquivo pessoal
Sapé jamais tinha visto um cortejo com tanta gente, houve uma repercussão internacional da morte de João Pedro Teixeira. Cerca de 5 mil camponeses estiveram no local, a população parou para se despedir do líder rural.
“Elizabeth disse que marcharia a luta dele até o fim, e marchou. Recebeu até convite do presidente de Cuba, na época Fidel Castro, para morar com os filhos lá, mas decidiu ficar aqui e seguir com a luta do marido. Ela visitou vários lugares, encontrou famílias camponesas ameaçadas de expulsão, ouviu os trabalhadores e trabalhadoras”, explica a pesquisadora Iranize Muniz.
Após a morte de João Pedro, Elizabeth tenta o pleito para deputada Estadual na Paraíba.
Arquivo pessoal
De 1962 em diante, Elizabeth foi presa com recorrência, mas não desistia nem cedia diante das ameaças. Oito meses após a morte do marido, ela questionou dois donos de engenho da região por expulsar camponeses e chegou a ser presa no mesmo dia.
Os filhos ficaram em casa esperando a volta da mãe, mas a filha mais velha não resistiu ao sofrimento diante das ameaças. Marluce Teixeira, a mais velha dos 11 filhos de Elizabeth, cometeu suicidiou através de um envenenamento. Ao conseguir sair da prisão, a mãe correu para casa a tempo de ver a filha morrendo.
Já no início da ditadura militar, em 1964, Elizabeth viu a pior face da repressão à luta dos camponeses. Teve sua casa incendiada e passou oito meses presa em um quartel do exército.
“Ela sempre disse que lutava pela reforma agrária e que isso significava melhores condições de vida pros trabalhadores do campo, o que incomodava muito os donos de terras”, ressalta Iranice Muniz.
Ao sair da prisão, o terror continuou, e assim foi orientada por colegas de luta a buscar exílio em Recife. Encontrada pela polícia em diversas casas onde tentava se refugiar, conseguiu se esconder no Rio Grande do Norte.
Anos de clandestinidade e outras tragédias
Em meio ao desespero das perseguições, Elizabeth mudou seu nome. Nasceria, em 1964, Marta da Costa. Teve ainda de rebatizar o único filho que conseguira levar consigo. De longe ficou sabendo de sua pior tragédia em vida: filhos apartados da mãe e espalhados pelo Brasil. Enfileirados na varanda da propriedade do avô materno, os filhos de Elizabeth foram escolhidos como mercadorias pelos parentes dispostos a criá-los.
As crianças brancas, que herdaram a genética da mãe, foram escolhidas primeiro. Os filhos negros com a memóriaria de João Pedro Teixeira na pele demoraram a ter um lugar para se abrigar.
“Eu nunca tive a vivência do campo porque isso foi tirado de nós quando separaram os filhos da minha avó”, conta, com tristeza, Wyliana Teixeira, uma das netas de Elizabeth. Ela morou a vida inteira em João Pessoa, na capital da Paraíba.
Em São Rafael, no Rio Grande do Norte, Elizabeth virou lavadeira para sustento de si e do filho Carlos. Adoeceu e teve que parar de lavar roupa. Daí, veio a dor que começa no pé da barriga e toma conta até da mais secreta consciência: a fome.
Para escapar da fome, sistêmica no campo, ela começou a dar aulas para crianças e jovens da comunidade. Foram 17 anos vivendo uma vida que não era sua, num estado que não era o seu, longe de seus outros filhos, vivendo as durezas da clandestinidade.
Espalhados, os filhos de Elizabeth pareciam estarem marcados para tragédia. Em 1988, José Eudes, que fundou em Sapé uma associação de defesa dos camponeses, foi morto pelo próprio irmão. João Pedro foi criado pelo avô Justino, e aprendeu a combater a luta dos pais e do irmão. Elizabeth presenciou a tragédia diante dos seus olhos na Paraíba, de volta do exílio. A perda de mais um “filhinho”, como chama os frutos de seu ventre, jamais seria esquecida dos traumas da família Teixeira.
Foram 17 anos na clandestinidade, vivendo como educadora popular.
Reprodução/Cabra Marcado para Morrer
Décadas de protagonismo
“Era um país subdesenvolvido”, diz trecho da “Canção do subdesenvolvido”, de Carlos Lyra, música que abre o documentário “Cabra marcado para morrer”, de Eduardo Coutinho. O filme, lançado em 1984, conta a história do casal João Pedro e Elizabeth Teixeira, e os levou à projeção nacional.
O documentário entrou para a lista da Associação Brasileira de Críticos de Cinema dos cem melhores filmes brasileiros.
Elizabeth Teixeira guarda fotografia ao lado de Eduardo Coutinho.
Ivana Borges
A história dela também foi imortalizada em linhas. O livro “Eu marcharei na tua luta: a vida de Elizabeth Teixeira” (1997) foi composto por três pesquisadoras da UFPB: Lourdes Maria Bandeira, Neide Miele e Rosa Maria Godoy.
Para Rosa Godoy, uma das escritoras, contar sobre a vida de Elizabeth Teixeira foi um dos grandes momentos de sua vida:
“Todas nós conhecíamos Elizabeth. A Paraíba toda [a conhecia]. Ela era um símbolo da luta camponesa. (….) Ela é uma heroína popular, como uma mulher camponesa que lutou e luta por e com os seus companheiros e companheiras. Felizmente, a vida tem lhe proporcionado longevidade para assistir o seu reconhecimento social. A sua memória já é presente”.
Em 2006, Elizabeth Teixeira recebeu o Diploma Bertha Lutz, também conhecido como Prêmio Bertha Lutz, instituído pelo Senado Federal para agraciar mulheres que tenham contribuído na defesa dos direitos da mulher e questões do gênero no Brasil.
Elizabeth Teixeira é lembrada como a mulher que escolheu a luta.
Arquivo pessoal
Além disso, a casa, na Paraíba, onde viveu com João Pedro e seus 11 filhos virou o Memorial das Ligas e Lutas Camponesas, local que recebe os trabalhadores do campo e presta assistências.
“Para a gente, ela tem um significado de reconexão, para lembrar de resistir. A comunidade de Barra de Antas, onde surgiram as Ligas Camponesas, é uma área esquecida pelo poder público, sofrendo até com a possibilidade de instalação de uma barragem. Os mesmos grupos enfrentam os mesmos problemas do passado”, explica Alane Lima, atual presidente do memorial.
Recentemente, em 2018, ela recebeu do Governo da Paraíba a Medalha da Liberdade, honraria destinada a homenagear indivíduos, instituições ou entidades que tenham contribuído para a defesa dos direitos humanos, democracia e liberdade.
Legado e resistência
Os anos que seguiram até os dias atuais foram marcados por uma luta insistente de nunca se desvencilhar da luta rural. Num Brasil que viveu a redemocratização, Elizabeth seguiu reivindicando a importância da reforma agrária, participando de movimentos, eventos, articulações políticas e incentivando os jovens a começar cedo a disputa por terras coletivas.
Ela não está sozinha e seu nome é lembrado nos gritos em defesa das mulheres atravessadas por uma violência que mescla dois problemas: gênero e classe.
Conforme dados de relatório sobre conflito no campo no Brasil elaborado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre 2011 e 2020 foram registradas 77 tentativas e 37 assassinatos de mulheres por conflitos fundiários e ambientais, além de agressões, ameaças, estupros e outros crimes de violência contra a mulher.
De acordo com Mazé Morais, coordenadora geral da Marcha das Margaridas, o aumento da violência é uma consequência do enfraquecimento de políticas públicas.
Para ela, o fim do Ministério do Desenvolvimento Agrário, junto com a Secretaria de Políticas para Mulheres, que tinha status de ministério com orçamento próprio, além do fim do Fórum Nacional Para Elaboração de Políticas Para o Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres do Campo, da Floresta e das Águas são perdas que impactam diretamente a qualidade de vida das mulheres do campo.
Mulheres do campo estão mais exportas a violência de gênero.
Arquivo/ ASPTA
“A violência contra as mulheres do campo é um instrumento pra manutenção da desigualdade. O isolamento geográfico, a precariedade dos serviços públicos, tudo isso contribui para a invisibilidade dessa violência. A falta de dados sobre a violência contra mulheres do campo prejudica muito. Nós não estamos incluídas nas estatísticas”, relata Mazé Morais.
Para enfrentar os desafios que atingem de modo mais potente as mulheres no campo, lideranças femininas encheram os assentamentos nas últimas décadas.
Filha das lutas de terra, Taciana Negreiros reflete de muitas formas o legado de mulheres como Elizabeth Teixeira.
Com a avó e a mãe na luta pelos campesinos, Taciana representa a terceira geração de mulheres que carregam o campo onde vão. Hoje, aos 23 anos, lembra dos primeiros 12 anos que viveu num assentamento de Sergipe e dos anos seguintes nas áreas rurais na Paraíba.
“Dentro de toda a minha trajetória, eu vejo que as mulheres do campo foram fundamentais para o meu próprio desenvolvimento. Elas têm a tecnologia do cuidado, carregam uma carga muito pesada e são o pilar de sustentação de toda sociedade. As mulheres do campo sempre foram muito corajosas, muitas se colocaram na linha de frente da violência, até mais que os homens”, reflete a mestranda em psicologia.
Lideranças femininas do MST reverenciam o legado de Elizabeth Teixeira.
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
Elizabeth também é fonte de inspiração para Dilei Schiochet, integrante do MST há mais de 30 anos e que conviveu com a líder histórica. Dilei é coordenadora do Centro de Formação que leva o nome do casal que entrou para a história das Ligas Camponesas e diz com firmeza:
“Ela me inspira. Em muitos momentos de dificuldade, ela é inspiração de vida pra continuar lutando. Não tem como falar da questão rural sem falar dela. Falo dela sempre pros mais novos e mais velhos”, afirma.
Herança de família
Para Wyliana Teixeira, uma das netas de Elizabeth, a separação dos filhos da ativista causou uma ruptura quase irreparável para a família. Primos cresceram distantes e irmãos sequer se conheciam.
“Acredito que essa foi a maior tragédia da vida dela, ela fez isso pra salvar a vida dos próprios filhos. Na minha infância, as datas comemorativas eram muito marcadas por isso, eu pensava nos familiares que eu nem conhecia”, relata a neta.
Elizabeth reencontra filhos, netos e bisnetos em antiga casa, que hoje é memorial.
Arquivo pessoal
Wyliana é psicóloga e hoje, aos 38 anos, acompanha de perto o envelhecimento da avó. Comemora, ainda, a oportunidade de ter conhecido muitos de seus familiares. Em 2014, durante a Comissão Estadual da Verdade, a família de Elizabeth Teixeira se reencontrou no Memorial das Ligas Camponesas, 50 anos depois que os filhos foram separados naquele mesmo solo.
“Foi dia de muita emoção. Sempre ouvia minha mãe falando das irmãs e do desejo de reencontrá-las, não sabia nem como procurar. Eu conheci minha família, primos com histórias parecidas, ficou uma falta enorme na nossa vida, mas nos conhecemos”, desabafa Wyliana.
A infância dela foi marcada pelas memórias das Ligas Camponesas e é por isso que ela responde com a certeza quando é questionada sobre como Elizabeth Teixeira gostaria de terminar a vida.
“Acho que ela gostaria de estar na presença dos companheiros de luta, porque a vida foi toda pra isso, para os povos do campo”.
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