Rapariga boa. Mina fácil (por Tânia Fusco)Blog do Noblat

Hoje é o Dia Internacional das Mulheres – das “mina”, das raparigas, das quengas, das putas, das do-lar, das santas, das ingênuas, das safadas.

Noventa por cento da população mundial tem algum tipo de preconceito contra as mulheres. Os dados, de 2020, são do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.

Artur Do Val, deputado estadual pelo Podemos, de São Paulo, atravessou o Atlântico para dar um rolezinho na guerra Rússia/Ucrânia. Hétero, branco, com dinheiro no bolso, nem ai pra tragédia, entusiasmado, informou seus pares do MBL: as mulheres ali, no meio da guerra, “são fáceis porque são pobres”.

Na guerra ou na paz, Artur não está sozinho no seu olhar para as mulheres.

Sábado, 5 de março. Do lado de cá do Atlântico, em Itaituba, sudoeste do Pará, o prefeito, Valmir Climaco, no meio de um show, saiu apontando aos berros: “Vou comer aquela! Vou comer mais de 20! Pensa num lugar que tem tanta rapariga boa? Aqui tem”.

Na fronteira da Ucrânia com a Eslováquia, Arturzinho viu muito mais do que Valmir: “Imagina uma fila de sei lá, de 200 metros ou mais, só deusa. Se pegar a fila da melhor balada do Brasil, na melhor época do ano, não chega aos pés da fila de refugiados aqui.”.

Valmir saiu bêbado e arrastado do baile. Não deu conta do pretendido banquete de raparigas.

Artur, que queria ser governador de São Paulo, lamentou a divulgação de seu áudio. “Fora do contexto.” Perdeu a namorada, a candidatura, o partido, foi renegado pelo ex-juiz Moro, e pode ficar sem mandato.

Valmir, já sóbrio, em sua defesa, disse ser “um ser humano como qualquer outro”. Ao falar “raparigas” quis só dizer que as mulheres são bonitas. E, aos costumes, também lamentou “a repercussão exagerada”.

Mais do que uma celebração, o Dia Internacional da Mulher é momento de remarcar a desigualdade renitente e o caminho de luta ainda a seguir.

Todo mundo, no mundo todo, a toda hora, convive com atitudes, palavras, gestos, explicações e desculpas como as do jovem deputado Artur, do velho prefeito Valmir.

Preconceito, discriminação e desrespeito não têm idade, classe social, crença ou cor de pele. Estão no cotidiano de todas as mulheres. As pobres, como frisou Artur-mamãe-falei, “são mais fáceis”. Mais vulneráveis, mais invisíveis. Mais facilmente subjugadas, abusadas, desconsideradas, ignoradas, coisificadas, reduzidas a carnes baratas  – corpos a serem usados ao bel prazer dos mais fortes.

A ONU estima que hoje, no mundo, para cada 101,8 homens há 100 mulheres. A quase igualdade dos números de população não resulta em igualdade real de direitos, nem no devido respeito.

No Brasil, onde as mulheres são maioria – 51,8% da população -, acontece um estupro a cada 10 minutos. Um feminicídio a cada sete horas. 66% das assassinadas são pretas. É mais do que sabido, além da pobreza que faz das mulheres presas fáceis, como entende o deputadinho paulista, a cor da pele aumenta o grau do castigo.

Ainda assim, a verba destinada ao combate à violência contra a mulher é a menor dos últimos quatro anos. O Brasil dos bolsonaros é assim. Segue tristemente ignorando que, desde o início da pandemia, 100.398 meninas e mulheres brasileiras foram vítimas de violência sexual.

Nas guerras, “as mina” de todas as idades são estupradas por mocinhos e bandidos. Tipo, “faz parte”. Não há Convenção de Genebra, ajuda humanitária, propósito, religião ou fé que acabe com isso.

O planeta Terra ainda é muito mais dos héteros, brancos e ricos – os vencedores. Desde que o mundo é mundo, a eles estão reservados todos os privilégios, a máxima proteção. Aí está o nó que não há quem desate.

São eles que comandam o dinheiro e as guerras. Ele, o dinheiro/a riqueza, é sempre a causa delas, as guerras. Simples e simplório assim.

Nas guerras ninguém tem razão, principalmente a alegada razão de Estado. Todos têm culpa. Os mais desiguais – mulheres e crianças, particularmente – sofrem mais, morrem mais.

Não é diferente na espetaculosa, quase glamourizada* Rússia X Ucrânia. Muitos cancelam a Rússia, alguns a Ucrânia. (*Desculpe o adjetivo. Mas, vendo o noticiário, não achei melhor qualificação).

Em 2022, as Guerras é que deveriam já estar canceladas.

Alguém já viu alguma Razão de Estado puxar um cordão em favor da paz ou do combate real às desigualdades, ou à fome no mundo?

Não há líder, religião ou Papa que ouse professar a fé na paz.

Pacifistas costumam ser ridicularizados ou mortos. Nossa memória ocidental guarda UM grande nome de pacifista – Mahatma Gandhi, que pregou e exerceu a não-violência na luta pela independência da Índia, na vida.  (Mahatma, em sânscrito, significa “grande alma”).

Sem esquecer, Jesus Cristo, o pacifista hors-concours, podemos mencionar ainda Martin Luther King e o até beatle John Lennon. Todos assassinados.

O mundo dos homens é repetitivo.

 

Tânia Fusco é jornalista