Prefeitos e governadores têm corrido com ansiedade aos microfones para anunciar a revogação dos decretos que obrigam ao uso de máscaras em ambientes abertos ou fechados.
Algumas dessas autoridades comemoram a medida como o fim da pandemia, outras, menos imprudentes, como uma demonstração de que em sua região o vírus está sob controle.
Como diz o refrão: o golpe tá aí, cai quem quer.
Sabemos que nem estamos diante do fim da pandemia, nem ela está sob o controle das autoridades. No máximo, o vírus hiberna, aguarda e toma fôlego. Mas se ainda é cedo para nos dizermos livres do vírus, qual a urgência em nos vermos livres das máscaras?
Sennett, citado por Bauman em Modernidade Líquida, foi muito feliz ao dizer, muito antes da pandemia, que as máscaras são um símbolo de civilidade. Basta lembrarmos como se comportam em público os orientais. Estando com alguma enfermidade, por mais insignificante que seja, vestem espontaneamente suas máscaras para sair às ruas com a intenção de proteger o outro, a coletividade.
O brasileiro quer que se dane a coletividade. Durante toda a pandemia, as máscaras estiveram no queixo, na nuca, no pescoço, em qualquer lugar, menos no nariz e na boca. Quando ninguém olhava, a máscara corria para o bolso. Alguns chegaram a chamar o artefato de mordaça. Por aqui, só importa a individualidade.
Como todo governo é a representação do coletivo, o brasileiro odeia o governo, as instituições de Estado, os políticos, as leis. Os próprios governantes, querendo agradar o povo, também odeiam aquilo que representam.
O Estado é visto como um intruso e, se tem alguma serventia, é não atrapalhar; as instituições públicas são tidas como inúteis e as leis boas são apenas aquelas que favorecem o indivíduo. Às que favorecem a coletividade ninguém dá bola e, quando violadas, faz-se vista grossa.
Nesse contexto, não é muito difícil a compreensão de como chegamos ao ponto em que políticos favorecidos com dinheiro público – dinheiro da coletividade – são acolhidos pelo eleitor; advogados questionados sobre lesões ao Estado cometidas por políticos argumentam que a punição de nada adianta, pois o crime já ocorreu.
Com a soberania do individualismo, a revogação de um decreto que restringe a liberdade individual, como o que obriga ao uso de máscara, é uma medida popular e, certamente, dialoga muito mais com a pretensão individualista desses governantes beliscarem um cargo nas eleições de outubro do que com alguma efetiva crença no controle sanitário.
Talvez fosse o caso de aproveitarmos para revogar também a lei que dispõe sobre os dizeres da bandeira do Brasil, retirando o sóbrio “ordem e progresso” e colocando em seu lugar um bem mais realista “cada um por si”.
André Marsiglia é advogado. Atua nas áreas de Comunicação e Internet e escreve toda semana n’O Antagonista.