Guerra espalha perdas pelo mundo (por Marcos Magalhães)Blog do Noblat

Vinte e poucos quilômetros separam a Praça dos Três Poderes da cidade de Taguatinga. Ou o aeroporto de Guarulhos da Avenida Paulista. Ou, ainda, Copacabana da Barra da Tijuca. A mesma distância existe entre a fronteira da Polônia e Yavoriv, na Ucrânia.

Ou, talvez, entre dois mundos bem diferentes. De um lado, um país que pertence à União Europeia e à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). De outro, uma nação que fez parte do grande país soviético e agora tenta reafirmar sua soberania.

Pois foi sobre essa pequena cidade, de apenas 13 mil habitantes, que choveram bombas russas durante ataque no final de semana. Ali morreram 35 pessoas. Outras 134 ficaram feridas.

A matemática das vítimas da guerra na Ucrânia impressiona mais a cada dia. As forças russas também quiseram impressionar o mundo com a precisão de suas armas. Mas Yavoriv vai entrar para a história do conflito como o local onde a audácia se aproximou da imprudência.

Riscos

Os russos impuseram o bombardeio como alerta à Otan sobre o que pode ocorrer a comboios que transportem armas da Polônia para a Ucrânia. Um ataque cirúrgico feito para intimidar.

Por mais tecnologia embarcada que exista nos caças russos, que estão entre os melhores do mundo, sempre existem riscos em operações militares. Assim como existem diferenças de percepção entre os lados envolvidos em uma guerra.

Tudo isso torna cada vez mais perigoso um conflito que, na visão otimista de Moscou, deveria ser resolvido em poucos dias. Vinte e poucos quilômetros separam os locais atingidos pelas bombas de um território protegido pela Otan. Não é difícil imaginar a resposta em caso de erro.

O ataque ocorreu ao mesmo tempo em que forças terrestres russas se preparam para o cerco à capital da Ucrânia, Kiev. Quando os tanques completarem a circunferência ao redor da cidade, bastará uma ordem para o ataque final. Onde muita gente poderá morrer.

Os dois movimentos militares elevam a tensão política em toda a região a níveis inéditos desde o fim da Guerra Fria. Pode ser uma estratégia de máxima pressão para que a Rússia consiga chegar ao que considera um bom acordo. Ou pode ser sinal de que a guerra vai até o fim.

Emissários dos dois lados deixaram vazar à imprensa, nos últimos dias, que uma declaração conjunta pode estar a caminho. O que tanto pode ser uma trégua para proteger a saída de civis como a abertura de reais negociações de paz.

As apostas são altas. O presidente Vladimir Putin busca reconstruir, pelas armas, o orgulho russo. Aquela sensação, ainda dos tempos da União Soviética, de que seu país contava e que o curso de história dependia em grande parte das decisões de Moscou.

De outro lado, o Ocidente – reunido a partir justamente das ações bélicas de Putin – celebra sua recuperada coesão enquanto impõe pesadas sanções econômicas ao país agressor.

Consequências

Duas consequências já estão claras após as primeiras semanas de conflito. A primeira é de que a guerra imporá um altíssimo custo econômico a todo o planeta. O aumento dos preços da gasolina é apenas um dos efeitos duradouros do conflito.

Nessa guerra, um país que é o maior exportador de trigo do mundo ataca o quinto maior exportador. Esse mesmo grande país, maior exportador mundial de gás e segundo maior exportador de petróleo, sofre como resposta um embargo que o isola da economia global.

Ou seja, a guerra tende a colocar em risco cadeias de suprimento e a elevar a inflação em boa parte do planeta. Como os brasileiros bem sabem, elevar a inflação significa espalhar pobreza e adiar promessas de crescimento econômico e geração de empregos.

A outra consequência não se nota no supermercado. Mas vai contaminar o ambiente político global justamente quando o mundo mais precisaria de esforços conjuntos para combater males efetivamente planetários, como a pandemia e a mudança climática.

Mesmo que um cessar-fogo entre em vigor imediatamente e um acordo de paz aceitável a todas as partes esteja a caminho, vai persistir por muito tempo ainda o clima de desconfiança que se estabeleceu, após o início das hostilidades, entre a Rússia e o Ocidente.

Com isso, muda a agenda global. Ganham prioridade os temas ligados à segurança. Países como a Alemanha anunciam que vão ampliar os gastos em defesa previstos em seus orçamentos. Assim como buscar novas fontes de energia – não se sabe se muito limpas – para substituir o gás que vinha da Rússia.

O combate às mudanças climáticas, que exige cooperação global, perde destaque na agenda. Da mesma forma que políticas de auxílio a países em desenvolvimento para reduzir suas próprias emissões de carbono e se preparar para os efeitos da mudança do clima.

Sim, porque os países mais pobres, situados em regiões da Ásia e da África, devem estar entre os mais prejudicados pelo aquecimento global.

No Brasil, que já percebeu o que podem ser os efeitos da mudança climática e que igualmente sofre as consequências sobre a inflação da invasão da Ucrânia, a guerra ainda desperta discussões apaixonadas.

Enquanto a extrema direita se inspira em Jair Bolsonaro para oferecer sua solidariedade a Putin, setores da esquerda ainda veem na liderança russa um necessário contraponto à hegemonia dos Estados Unidos no mundo.

Um dos temas em debate nesses grupos é o de quem seria responsável pela guerra: a Rússia de Putin ou os Estados Unidos, que teriam levado a Otan às portas do antigo império soviético.

Provavelmente nunca vão encontrar uma resposta consensual para essa pergunta. Mais fácil será observar que a guerra espalhará perdas para o mundo inteiro.

 

Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.