No calendário já chegamos; nos planos político, econômico, ideológico, cultural e noutros, muitos ainda estão no XIX, ou antes. Aferram-se, entre outras, às expressões “esquerda” e “direita”. Estas, nascidas no século XVIII, já deveriam ter sido superadas pela realidade mas, como mortos não enterrados, ainda são ditas.
Mais que discutir seus significados, vale lembrar que Ângela Merkel dizia que seu conhecido Vladimir Putin “é um líder do século XIX agindo no século XXI”. O recurso deste último à guerra, em pleno XXI, mostra que ela tem razão. Afinal, ainda que muitos dos problemas do XVIII ainda estejam presentes – fome, governo de oligarcas e bilionários, opressão, discriminação – muitos outros desafios atuais, graves e urgentes, apenas foram identificados após o XIX, ou décadas mais tarde. Estes podem ser resumidos em duas expressões: “degradação humana” e “degradação ambiental”, uma agravando a outa.
Para entrarmos de fato no século XXI há que focar o futuro – pelas perspectivas, boas e más – e o passado, pelas lições possíveis. Há, fundamentalmente, que providenciar maneiras de reverter, conjuntamente, essas duas degradações. A encíclica Laudato Si, de Francisco, mostra um caminho e lembra que os animais, inclusive o humano, são partes interconectadas e interdependentes da natureza, pedaços de um mesmo todo.
Daí ser resquício dos séculos XVIII, XIX e XX insistir na oposição “direita x esquerda”, assim como continuar a dar prioridade à economia. Esta não é mais que uma das formas possíveis e necessárias de enxergar a vida dos humanos, as relações destes entre si e com os demais viventes e com a natureza que os suporta. Essa ênfase e protagonismo da “economia” desde o XIX, senão antes, sem dúvida trouxe benefícios como maior longevidade e menor mortalidade infantil, mas ao custo da degradação humana – metade vive hoje com menos de US$10,00/dia, 1/3 sem água potável – e da extinção de várias formas de vida e de biomas, levando à dupla degradação acima referida. São os biomas, e não a economia, a base que suporta a todos.
Hoje, temos de lembrar que diferenças quantitativas alteram qualitativamente as questões. Não mais podemos insistir em “soluções” propostas quando a população humana não somava um bilhão agora que somos quase 10 bilhões; quando a queima de combustíveis fósseis era rara e não ubíqua; quando inexistiam robôs a substituir o trabalho humano! As supostas “soluções” de então não mais funcionam na realidade do XXI.
Para entrarmos no XXI temos que superar a divisão esquerda x direita e priorizar a qualidade de vida e não a economia. Temos de irmanarmo-nos mirando vidas melhores para as novas gerações; dialogar para construir soluções adequadas ao novo tempo, revertendo a dupla degradação e focando a qualidade de vida e a felicidade de todos e de cada!
Eduardo Fernandez Silva. Mestre em Economia. Ex-Diretor da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados