Política armamentista de Bolsonaro aumenta arsenais de criminososBlog do Noblat

Editorial de O Globo (29/3/2022)

O resultado dos controles relaxados é previsível. Não é coincidência que tenha aumentado a quantidade de bandidos apanhados com o certificado de CAC

O incentivo às armas promovido pelo governo Jair Bolsonaro tem aumentado de forma perigosa os arsenais privados. Favorecido pelos decretos apoiados pela “bancada da bala” ou mesmo por sentenças judiciais, tem sido assustador o aumento no acesso a armamentos concedido a amadores, reunidos no grupo conhecido pela sigla CAC (Caçador, Atirador e Colecionador). Antes limitados, os CACs passaram a ter acesso a armas e munições de grosso calibre em quantidades extravagantes.

Atiradores esportivos, que antes podiam adquirir até 16 armas, hoje podem comprar 60, como constatou reportagem do GLOBO. Colecionadores estão livres para ter até cinco armas de vários tipos e modelos. Em três anos, as licenças concedidas pelo Exército a CACs saltaram 325% (de 255.402 em 2018 para 1.085.888 no ano passado).

O resultado dos controles relaxados é previsível. Não é coincidência que tenha aumentado a quantidade de bandidos apanhados com o certificado de CAC. Um exemplo entre pelo menos 25 levantados pelo GLOBO é o caso do “colecionador” Vitor Furtado Rebollal Lopes, conhecido por Bala 40, com quem a polícia encontrou 26 fuzis AR-15 e 556, três carabinas, 21 pistolas, dois revólveres, uma espingarda calibre 12, um rifle, um mosquetão, além de caixas de munição para fuzis, uma armaria ao todo estimada em R$ 1,8 milhão. De acordo com a polícia, que apreendeu o arsenal, Bala 40 entregaria os fuzis a uma das maiores facções criminosas do Rio. Por ser CAC, ele comprava as armas legalmente e as guardava numa casa ao lado de uma creche.

O certificado de CAC também passou a servir na Justiça como uma espécie de “atestado de honestidade” para quem guarda armas e munições para criminosos. Foi o argumento usado pela defesa do sargento da PM Alex Bonfim de Lima Silva, do 39º Batalhão da PM fluminense, preso em novembro de 2019 como integrante da milícia que extorque dinheiro de moradores e do comércio de São João de Meriti. Uma operação policial encontrou na casa dele grande quantidade de armas de grosso calibre com numeração raspada. Três anos antes, revelou O GLOBO, Lima obtivera no Exército um Certificado de Registro (CR) e se converteu em “colecionador”. O documento o ajudou no julgamento pelos desembargadores da 6ª Câmara Criminal, em fevereiro de 2020, quando foi solto.

É tamanha a licenciosidade com que o governo trata a questão das armas, que os casos do PM armeiro ou do “colecionador” Bala 40 estão longe de ser isolados. Há fartos relatos do uso de CACs para abastecer de armas e munições facções do tráfico, milícias e grupos de extermínio em vários estados. Na antológica reunião ministerial de 22 de abril de 2020, Bolsonaro bradou que “povo armado jamais será escravizado”. Na ocasião, a frase deixou no ar dúvidas sobre as intenções de Bolsonaro com sua política armamentista. Com o passar do tempo, ela tem deixado de ser enigmática.