Sem unidade de ideias, esquerda ganha espaço América LatinaBlog do Noblat

Editorial de O Globo (3/4/2022)

Num efeito dominó, a esquerda vem ganhando poder na América Latina desde a eleição de Andrés Manuel López Obrador no México, em 2018. De lá para cá, venceu na Argentina, Bolívia, Peru, Honduras e Chile. O movimento poderá continuar neste ano. No pleito marcado para maio na Colômbia, o favorito é de esquerda. Aqui no Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva lidera as pesquisas. Mas, embora todos estejam no campo identificado como progressista, há diferenças fundamentais entre os representantes dessa esquerda ascendente, como demonstram os casos chileno, peruano e colombiano.

Com 36 anos, o chileno Gabriel Boric encarna a chegada ao poder de uma nova geração. Crítico de ditaduras esquerdistas como Cuba e Venezuela, com um programa recheado de temas caros ao eleitorado jovem (feminismo e meio ambiente), diz estar aberto ao diálogo com um amplo espectro do eleitorado. Parece saber que, para atingir suas metas de elevar o bem-estar e combater a desigualdade, terá de proporcionar um ambiente propício ao crescimento. Em vários sentidos, Boric é prova do poder de renovação da democracia. Ainda é cedo para dizer se terá sucesso. Por enquanto, ele ainda está em lua de mel com o eleitorado.

O caso do peruano Pedro Castillo é oposto. Castillo está num inferno astral. Sua vitória em junho e, principalmente, seu governo são exemplos do nível da enfermidade que aflige a democracia peruana. O país teve cinco presidentes nos últimos cinco anos. Não houve nenhuma reviravolta econômica, revolta armada ou crise de segurança, nada que justificasse o entra e sai.

A crise peruana é política. Castillo, ex-professor rural e sindicalista sem experiência em cargo público, só piorou o que já estava ruim. A pasta das Relações Internacionais teve três ministros. A da Justiça, também. A Economia, dois. Faltando quatro meses para completar um ano no poder, Castillo enfrentou duas moções de vacância (impeachment por incapacidade moral para governar). A última foi na terça-feira passada. Por ora, garantiu sua cadeira. A promessa de campanha “No más pobres en un país rico” se perdeu com ideias tortas e incompetência.

Na Colômbia, Gustavo Petro, ex-guerrilheiro e ex-prefeito de Bogotá, sagrou-se vitorioso nas primárias realizadas no dia 13. Na disputa interna, foi aclamado como candidato da esquerda nas eleições presidenciais daqui a dois meses. Sua coalizão, o Pacto Histórico, apareceu como uma das principais forças do novo Congresso. Embora Petro não possa ser comparado ao caótico Castillo, tampouco representa uma nova esquerda. Critica Nicolás Maduro, mas tem um longo histórico de ligação com o chavismo.

Por aqui, as virtudes e os vícios dos governos de Lula são todos conhecidos. Seus planos para um terceiro mandato seguem sendo mistério. Mesmo favoritos, Petro e Lula ainda não têm vitória garantida. Nem se sabe se, caso vitoriosos, proporcionarão a seus países uma lua de mel ou um inferno astral.