A globalização achou um adversário (o clima) que também não respeita fronteiras e soberanias. Inconsequente como todo narciso, o mercado atiça o Apocalipse com vara curta, enquanto abre a galinha dos ovos de ouro.
É como se a Terra jogasse xadrez com a humanidade. A cada peão que movemos, a natureza revê seu jogo. Pensando ter vantagem sobre a Rainha, corremos o risco de xeque-mate.
Situar o início da globalização anima os especialistas. Seria na migração do sapiens, ou nas Cruzadas, quiçá com as grandes navegações, ou após o boom digital.
Tudo, porém, sugere a convergência das dinâmicas da economia e de Estado, em escala planetária, seja por fatores energéticos e tecnológicos, ou agora por força das alterações no clima.
Há 40 anos, pensávamos no que fazer com o meio ambiente na era da globalização. Agora, a questão é o que fazer com ela na era da mudança climática, que atropela a geopolítica e o business global sem se comover com suas guerras, epidemias e greenwashing.
No Brasil, o agronegócio já sofre o encurtamento das janelas climáticas, que nos ofereciam a vantagem competitiva da alternância de variadas safras. Notem a corrida por novas tecnologias focadas na produtividade, em lugar da mera expansão sobre áreas florestais.
No setor mineral, os princípios ESG chegam para reparar pegadas ambientais iniciadas na Idade da Pedra. A posse, esta semana, do conceituado ex-ministro Raul Jungmann à frente do influente IBRAM (Instituto Brasileiro de Mineração) personifica a urgência de propósito das mineradoras.
A incerteza climática já supera a capacidade dos mercados de ancorarem suas expectativas com base em velhos índices estatísticos. A globalização tem benefícios inegáveis e seus efeitos colaterais ainda têm jeito, mas cabe pressa.
Vale lembrar que globalizar, por si só, não melhora (nem piora) o bem-estar geral. Veja o impacto de crises como a Covid-19 e a guerra da Ucrânia sobre o planeta.
O que muda é a velocidade, a profundidade e o alcance da relação causa-efeito, que assume caráter superlativo no estágio atual da comunicação digital.
No caso do Corona, um lockdown em Xangai afeta a economia mundial antes mesmo de ser decretado. Enquanto isso, o vírus propriamente dito está a poucas horas de avião de qualquer país.
No caso da Ucrânia, os efeitos sobre alimentos, energia e finanças também têm repercussão global e imediata, ameaçando a meta de descarbonização da economia mundial.
A rigor, do modo como se consolida há três décadas, a globalização ampliou as desigualdades entre as pessoas, além de cristalizar um desemprego estrutural sem volta.
Enquanto segue inconcluso o debate sobre justiça climática e a função do Estado, parece inacabável a disputa entre o globalismo neoliberal, o populismo nacionalista e o multilateralismo.
Felipe Sampaio, membro do Centro Soberania e Clima; ex-assessor especial do ministro da Defesa (2016-2018); foi empreendedor no segmento de mineração.