Roberto D’Horn Franca lamenta intervenção da Prefeitura de João Pessoa, diz que a abertura das ruas não vai resolver o problema de trânsito na avenida João Maurício e que gestores atuais vão na contramão do mundo. Quadra de Manaíra serve à população de João Pessoa há quase 40 anos
Hévilla Wanderley / GloboEsporte.com/pb
Roberto D’Horn Franca era bem jovem em 1981. Tinha apenas 22 anos, mas já era o gerente de obras da antiga Empresa Municipal de Urbanização (Urban) quando foi incumbido pelo prefeito da época, Damásio Franca, a pensar em áreas de convivência no bairro de Manaíra. Aqueles eram tempos do Projeto Cura, uma ação da Prefeitura Municipal de João Pessoa que, com a ajuda de verbas federais, realizava obras de saneamento básico e de calçamento de vias públicas por toda a cidade. E foi em meio a todas aquelas ações estruturantes que surgiu a ideia de se construir um complexo poliesportivo e um passeio público na região. Assim nascia a Quadra de Manaíra, ou, pelo nome oficial, Quadra Esportiva Maximiano da Franca Neto, que quatro décadas depois se encontra em meio a uma polêmica entre a população do bairro e a atual gestão municipal, que quer liberar o trânsito no entorno da quadra.
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Logo de início, Roberto destaca que está do lado da população na questão. Que não vê muito sentido na modificação do projeto original e na autorização para que carros e motos circulem no entorno da quadra. Antes, contudo, ele relembra o contexto da época para explicar como tudo aconteceu.
Roberto D’Horn Franca, autor do projeto original da Quadra de Manaíra
Roberto D’Horn Franca/Arquivo Pessoal
O projeto foi iniciado em 1981 e o equipamento público seria inaugurado no ano seguinte, em dezembro de 1982. O objetivo desde o início, Roberto conta, era criar um ambiente comum em que a população pudesse convergir coletivamente para viver a cidade e, mais especificamente, o bairro.
“O prefeito Damásio Franca era um apaixonado por praças, defendia que a população pudesse circular por áreas comuns sem o risco dos carros. E foi isso o que fizemos”, relembra Roberto, que comandou uma equipe formada por arquitetos, engenheiros e desenhistas.
Inauguração da Quadra de Manaíra em dezembro de 1982
Acervo da família de Marcílio Franca
No lugar do que hoje é a Quadra de Manaíra, existia a parte final da avenida Manoel Morais. Uma rua que à época era de barro e que cortava todo o bairro. Mas que, justo naquele quarteirão final antes da praia, entre as avenidas João Maurício e Edson Ramalho, se tornava de repente extremamente larga. Roberto, pois, em debates com o presidente da Urban à época, o engenheiro civil Marcílio Franca, defendeu que aquele trecho final de rua possuía uma largura desproporcional e era pouco efetivo para a questão do trânsito da região. E foi assim que o local foi escolhido para acolher a quadra e o passeio público.
Roberto D’Horn destaca que a obra, tão logo inaugurada, tornou-se um sucesso. Mudou as dinâmicas da área e levou um público diverso para a região.
“Até os moradores que de início foram contrários ao projeto, acabaram sendo favoráveis. Porque a área ficou toda reservada para a população, para o povo. Para lá iam jovens, idosos, pessoas com deficiência, mães com seus filhos”, enfatiza.
Ele se orgulha também porque o projeto permaneceu intocado por quatro décadas, visto que desde as origens estava previsto o fechamento da área para o trânsito, antecipando em muitos anos uma regra de preferência ao pedestre que se tornaria tendência mundial.
“O que nós fizemos lá em 1982, é o que é regra hoje. Fechar vias para dar mais espaços ao cidadão comum”, orgulha-se.
Quadra de Manaíra passou por sua última reforma em 2016, quando o projeto original foi mantido
Arquivo/Secom-JP
O projeto de 1981 e 1982 da Quadra de Manaíra
O antigo funcionário da Urban Roberto D’Horn Franca explica que o que existe hoje na Quadra de Manaíra ainda é parte do projeto original, com a quadra poliesportiva, a quadra de vôlei de praia e o passeio público com seus bancos de praça e árvores que se integram ao resto do projeto. E que o seu funcionamento também é o exatamente o mesmo que existia quando foi inaugurada.
“O trânsito foi fechado e nunca foi reaberto”, destaca Roberto.
Ele lembra, aliás, que João Pessoa gostava de se apresentar ao resto do país como sendo a “Cidade Jardim”, porque levar a população para viver as praças era uma “filosofia da gestão” da época.
Placa original da inauguração da Quadra de Manaíra
Roberto D’Horn Franca/Arquivo Pessoal
Ademais, ele diz não ter dúvidas de que a quadra e o seu entorno “cumpre muito bem a sua função na cidade” e explica que já naqueles tempos houve uma preocupação com as pessoas com deficiência. “Nossa ideia era levar as pessoas às áreas públicas, dar acessibilidade a quem queria viver a cidade. A gente fazia tudo isso em 1982, apenas com outra denominação”.
Roberto explica ainda que a quadra é poliesportiva, para todos os esportes, pensada inclusive para o hockey sobre patins, uma modalidade que naqueles tempos era muito popular no estado. “A muretinha de cimento antes do início da cerca é pensando justamente no hockey”, comenta. Em seguida, ele diz que foi na quadra de vôlei de praia do complexo que o futevôlei chegou à cidade. “Ali foram realizadas as primeiras partidas da modalidade em João Pessoa”.
Ao falar mais enfaticamente sobre a decisão de fechar o trânsito na área, ele pondera que os atletas precisavam ter espaços para descansar, que os espectadores deveriam ter segurança para ir assistir às partidas, que a população em geral tinham o direito de áreas para passear.
“Quando a gente fechou o trânsito, a gente pensou na circulação. Rapidamente, o local virou também ponto de paquera. Uns iam para jogar, outros para namorar. Enquanto isso, os velhinhos levavam seus netos para brincar”, conta Roberto.
Na contramão do resto do mundo
Responsável pelo projeto original da Quadra de Manaíra, Roberto D’Horn Franca adota uma certa cautela para criticar a intervenção que a Prefeitura de João Pessoa tenta realizar no local, que prevê o trânsito de carros e o fim do passeio público que contorna a quadra. Ainda assim, ele se diz contra a medida. E atesta que a mudança não vai resolver nenhum tipo de problema de trânsito.
Obras na Quadra de Manaíra causaram surpresa no responsável pelo projeto original
Silva Torres/Tv Cabo Branco
Segundo ele, o trânsito nas ruas internas do bairro já fluem de forma correta, sem engarrafamentos, e que o trânsito mais forte é exclusivo à avenida João Maurício, que é a da orla de Manaíra. A questão é que, de acordo com ele, abrir ruas no entorno da quadra não vai ter o poder de desafogar a João Maurício.
“Não faz o menor sentido dizer que a obra vai facilitar o trânsito”, diz Roberto, com convicção.
Ele indica que a obra só se justifica para agradar algum comércio próximo, porque o argumento sobre melhoria do trânsito não seria factível.
Além do mais, ele questiona o preço a se pagar com tudo isso.
“Abrir o trânsito na área em troca de quê? De tirar as pessoas do espaço público? Como é que o cadeirante vai atravessar a rua para ir assistir a um joguinho? Como é que uma pessoa vai deixar uma criança brincar ali e correr o risco de ser atropelada? Como é que os velhinhos vão passear de forma segura? Como é que as pessoas vão caminhar por ali com seus carrinho de bebê?”, questiona. “É muito sacrifício para justificar tudo isso”, completa.
Desde que as obras foram anunciadas, população vem protestando contra a medida
Marla Melo
Para ele, a atual gestão da Prefeitura, a partir de “justificativas insuficientes”, está na contramão do resto do mundo: “Enquanto o mundo todo disponibiliza novos espaços para a população, a Prefeitura Municipal de João Pessoa adota o caminho inverso”.
Por fim, ele lembra que ainda hoje existem uma série de escolinhas esportivas que funcionam de forma gratuita no local e que beneficia a população carente de João Pessoa.
“Existe uma vida fantástica em torno da quadra, que pratica os mais variados esportes. E a população continua utilizando aquele espaço”, conclui ele.
Entenda o caso
A Prefeitura de João Pessoa anunciou na segunda-feira (7) que iniciaria no dia seguinte uma obra na quadra de Manaíra para abrir o trânsito na área. Isso significaria destruir uma praça existente no local e derrubar uma área arborizada que serve de espaço de convivência da população do bairro.
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Rapidamente, os moradores de Manaíra e arquitetos e urbanistas da cidade se mobilizaram questionando a decisão, alegando que a medida feria o Estatuto da Cidade e a Política Nacional de Mobilidade Urbana. Houve protestos populares no local e duas rodadas de debates entre a Semob-JP e uma comissão de moradores, sem contudo ser registrado grandes avanços nas negociações.
Uma terceira rodada de negociações foi marcada para a manhã desta quinta-feira (10), na sede da Semob-JP, mas os tratores e os trabalhadores da Prefeitura chegaram à quadra e iniciaram a obra bem durante a reunião.
Moradores protestaram no dia do início repentino das obra na Quadra de Manaíra
Jessica Lucena/Arquivo pessoal
Essa medida revoltou a população, que, com a ajuda do vereador pessoense Marcos Vinícius, resolveu judicializar o caso. Na quinta-feira (10), a Justiça da Paraíba emitiu uma decisão liminar que ordena a imediata paralisação das obras na Quadra de Manaíra e mandou que num prazo de dez dias fosse reestabelecido tudo o que já havia sido demolido no local, nas mesmas condições que estavam antes do início dos trabalhos. A Prefeitura prometeu recorrer da decisão.
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