A sacerdotisa de candomblé Lúcia de Fátima Batista de Oliveira afirmou nesta terça-feira (21) estar “abalada e consternada” com a decisão do juiz Adhemar Ferreira Neto, do 2º Juizado Especial Cível de João Pessoa. Em sentença proferida em setembro, o magistrado negou pedido de indenização por dano moral contra um motorista de aplicativo e atribuiu à própria autora a prática de intolerância religiosa.

O caso

No dia 23 de março de 2024, Lúcia solicitou uma corrida pelo aplicativo Uber para sair do terreiro Ilê Axé Opó Omidewá em direção a uma consulta médica. Segundo o processo, o motorista selecionado enviou a mensagem “Sangue de Cristo tem poder, quem vai é outro kkkkk tô fora” e cancelou a corrida em seguida.

A mãe de santo registrou boletim de ocorrência e entrou na Justiça requerendo R$ 50 mil de indenização. O Ministério Público da Paraíba (MPPB) também ajuizou ação pedindo reparação por danos morais coletivos.

Decisão contestada

Na sentença, o juiz avaliou que a frase do motorista representava “livre manifestação de crença” e concluiu que a intolerância partiria da autora, ao considerar ofensiva a expressão religiosa. O magistrado ainda destacou que motoristas têm liberdade contratual para recusar corridas.

O advogado da mãe de santo, João do Vale, recorreu da decisão. Ele classificou a argumentação como um “grave sinal de perpetuação da violência institucional”.

Investigação do Ministério Público

Após representação do Instituto de Desenvolvimento Social e Cultural Omidewá, o MPPB abriu procedimento para apurar possível racismo religioso por parte do magistrado. A promotora Fabiana Lobo encaminhou o caso à Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e à Corregedoria do Tribunal de Justiça da Paraíba. Oficiais também foram enviados à Delegacia de Repressão aos Crimes Homofóbicos, Étnico-Raciais e Delitos de Intolerância Religiosa (DECHRADI) e ao Centro Estadual de Referência da Igualdade Racial João Balula.

O CNJ informou que, até o momento, não há processo aberto sobre o tema. O Tribunal de Justiça da Paraíba não se manifestou.

Posições

Em nota ao g1, Lúcia de Fátima disse que a decisão provocou “impacto emocional profundo” nela e na comunidade do terreiro, mas que mantém “fé inabalável em Xangô, Orixá da Justiça”.

Ao ser procurado, o juiz Adhemar Ferreira Neto afirmou que sua atuação segue as leis vigentes e que não comenta processos ainda não transitados em julgado.

A Uber alegou ilegitimidade para figurar no polo passivo, informou ter banido o motorista e pediu improcedência da ação. O motorista não foi localizado pela reportagem. A Associação de Magistrados da Paraíba disse desconhecer o caso.

Com informações de g1